Ciência oriental com mais de
4.000 anos de existência, o tantra usa o amor carnal para nutrir o espírito
|
|
Daiana Dalfito
|
|
Visto de muitas formas
equivocadas no Ocidente, o tantra talvez seja mais conhecido por uma de suas
práticas o “Sexo Tântrico”, mas essa ‘filosofia’ essencialmente prática tem
por objetivo o desenvolvimento máximo e total do humano em seus aspectos,
físicos, mentais e espirituais.
A palavra “tantra” vem do sânscrito, uma das línguas oficiais da Índia, e é
composta por duas raízes áusticas: “tan”, que quer dizer escuridão, e “tra”,
que se refere à libertação. O tantra é um conjunto de práticas de origem
hindu de natureza matriarcal, naturalista, sensorial e de combate à repressão
e que vê o corpo como um dos caminhos para o conhecimento.
O sexo é encarado pelos seguidores do Tantra como um canal de propagação de
energias, uma via de conhecimento e é muito mais do que ‘o sexo afoito e
agressivo’ propagado no Ocidente. O sexo tântrico busca a junção da força
passiva e masculina de Shiva (deus da destruição que precede a criação) com a
força criativa e feminina de Shakti (deusa mãe, energia cósmica dinâmica)
Ciência pura que determina o poder da transformação individual, o tantrismo
prega que cada humano pode transformar a si mesmo e essa transformação
precisa de uma metodologia científica encontradas em seus ritos. Para o
filósofo Osho, o tantra é o grande ensinamento, que não dita mandamentos.
“Ele não cuida do que fazes. Ele cuida do que és, do teu centro, da tua
consciência.”
Um dos mestres do tantrismo no Brasil é o professor Otávio Leal. Praticante
de yoga e tantra há cerca de 20 anos, Leal começou dando aulas de hatha yoga
- um sistema iniciado pelo yogi Swatmarama, na Índia do século 15 a.C. Há 15
anos, Leal foi iniciado no tantra pelo mestre Ananda Ran e hoje é co-diretor
da Humaniversidade, em São Paulo. Nesta entrevista o professor fala um pouco
sobre a ciência ‘tantra’ e o sexo tântrico. (Mais em: www.humaniversidade.com.br)
Jornal da Cidade - O que é o tantra?
Otávio Leal - É um modo de vida e não uma filosofia especulativa como as
muitas que vemos no ocidente, não há a crença em algo específico. O tantra é
amplo e tem origens tribais o que o afasta das formas civilizadas de
pensamento, faz parte das práticas do tantra os mantras (sílabas ou poemas,
geralmente em sânscrito, para cantar; se originaram no hinduísmo, mas são
utilizados também no budismo e no jainismo), mandalas, posições de yoga,
massagens e o ato sexual em si. No tantra um dos princípios se assemelha ao
kavanah, pregado por Jesus, ou seja, fazer e agir com boa vontade. O tantra
aponta para que as ações sejam praticadas de todo o coração, seja cozinhar,
trabalhar, fazer amor ou qualquer outra coisa.
JC - O que é sexo tântrico?
Otávio - É uma das práticas de uma cultura ancestral de origem hindu. O
sexo tântrico é ritualístico, meditativo, místico e absolutamente mágico e
amoroso. Os praticantes do tantra se referem ao ato sexual como maithuna, ato
sexual ritualizado, é o processo final, quando se é necessário uma preparação
anterior através de outras práticas do tantra, como alguns tipos de yoga.
Maithuna trabalha com a união dos princípios opostos de Shiva (masculino) e
Shakti (feminino). No tantra, o sexo é encarado como forma de ativar a
Kundalini, ou seja, a energia cósmica e primordial.
JC - Quais os equívocos mais comuns cometidos por pessoas que não conhecem
a prática? Por exemplo, muitas pessoas acreditam que o Kama Sutra é apenas um
manual erótico, isso acontece também com o sexo tântrico?
Otávio - Não acredito em equívocos, pois creio que se não conhecem não
praticam. Mas há erros quanto à interpretação por falta de informação. O Kama
Sutra, por exemplo, não é um livro tântrico, mas têm raízes na cultura
religiosa sânscrita. Hoje, como o tantra está muito ligado a hatha yoga, por
exemplo, os equívocos são menores, mas muita gente crê que o tantra é apenas
sexo. Em São Paulo há inúmeras casas de massagem com o nome “Tantra”, mas são
apenas casas para a prática sexual não tântricas.
JC – Você já foi discriminado por trabalhar com o tantra?
Otávio – Não. Eu sou muito tranquilo em relação a outras pessoas e no meu
estilo de vida eu não abro espaço para discriminação.
JC - Uma dúvida que surgiu dentre as pesquisas sobre tantra foi que os
textos se referem sempre a relacionamentos entre homens e mulheres, mas não
entre homossexuais. É possível praticar o sexo tântrico para os que optam
pela homossexualidade?
Otávio – Sim. É possível, é natural desde que haja amor.
JC - Quais são as vertentes do tantra e suas principais diferenças?
Otávio - Existem três escolas principais, conhecidas como o caminho da
“Direita”, “Esquerda” e do “Meio”. Eu trabalho com o tantra do meio, que
busca equilíbrio na vida e em todas as suas áreas. As características do
tantra - ou suas práticas – são, como o já dito, principalmente, o yoga, os
mantras (sons de poder), as meditações sexuais ou não, as danças sagradas, as
massagens terapêuticas e sensoriais, as respirações, os trabalhos com
mandalas e a alimentação. Lembrando que o tantra é uma cultura. Em relação ao
sexo tântrico, a linha da Direita não acredita no orgasmo e o vê como
desperdício de energia, não tendo orgasmos nunca. Uma das pretensões do
tantra é elevar a Kundalini, que é o “orgônio” e a libido. Na corrente da
Direita, os praticantes crêem que a Kundalini é elevada através de uma vida,
como dizemos, monástica. Os praticantes não fazem sexo nunca ou muito
raramente, tentando conter o orgasmo. O sexo é sempre feito com o (a)
companheiro(a). Para os seguidores da Direita, em relação à dieta, também não
são aceitas as carnes, sendo que a alimentação é totalmente vegetariana. Os
seguidores da Esquerda cultivam o orgasmo e sempre chegam ao ápice em suas
relações. Para a Esquerda, existe a defesa da tese de que com um estranho o
praticante do sexo atingiria um nível maior de prazer, pela erotização “da
primeira vez”. No que se refere à alimentação são aceitos todos os tipos de
carnes, preparadas das mais diferentes formas. O caminho do Meio pondera
entre as duas linhas, Direita e Esquerda, e dá ao seguidor a possibilidade da
escolha. A do Meio tanto faz se o praticante conhece e tem vínculos com o (a)
parceiro(a). Da mesma forma que o sexo, os adeptos podem consumir,
eventualmente, carnes brancas se desejarem. É preciso entender que a
monogamia é uma tendência de cerca de 4.000 anos. Antes, valia o pensamento
tribal, base do Tantra. Para povos “não civilizados”, valem os valores de
sinceridade e verdade acima de tudo, esses são valores muito tântricos. O
tantra não reprime escolhas e estimula a verdade.
JC - Existe uma estimativa de praticantes de tantra no mundo, Brasil e
Estado de São Paulo?
Otávio - Desconheço esses dados, até porque o tantra não é uma religião.
Se pensarmos que o yoga é de origem tântrica, aí sim poderemos encontrar um
número gigantesco de praticantes em redor do planeta.
JC – Quais são os benefícios físicos e espirituais que a prática do tantra
traz para seus adeptos?
Otávio – Físicos, você pode dizer que os praticantes entram na esfera dos
que possuem longevidade, flexibilidade, saúdes. É preciso considerar que com
o sexo tântrico, assim como a prática sexual ocidental, libera endorfina –
neurotransmissor responsável pelas sensações de euforia e bem-estar – e ela
tem efeito sobre um apuro na memória, melhora o humor e o sistema
imunológico, aumenta a resistência e a disposição física, entre outras
coisas. E o que seria um benefício espiritual? Talvez ficar mais feliz... É,
porque a gente confunde um pouco esse conceito “espiritual” aqui no Ocidente,
por exemplo, quando alguém diz que ‘têm um problema espiritual’. Mas o que
ele tem? Seu espírito está doente, tem gripe, depressão? Isso tudo é doença
do corpo, são estados da mente. O espírito é o que somos, o que adoece é o corpo,
a mente. Essa sexualidade, esse amor é felicidade. E felicidade não é prazer,
prazer é comprar uma casa, um carro, comer um chocolate ou ver o time de
futebol ganhar. O tantra atua na felicidade. O livro budista “A Arte da
Felicidade”, de Dalai Lama, aponta que a área do cérebro responsável pela
felicidade, quando a pessoa medita faz com que essa área ‘aumente’ até 700%.
JC – Existem pré-requisitos para praticar o tantra? Há uma idade
específica para começar?
Otávio – Não. Não cabe a mim e a ninguém julgar quem deve ou não deve
praticar o tantra. No caso das crianças, a prática teórica de alguns
conceitos é possível e viável. Se você pensar que o yoga é tântrico, não há contraindicações.
Eu digo que se as pessoas entendessem um pouquinho do que é o yoga correriam
para praticar, porque a prática oferece tantos benefícios. Mas cada coisa em
seu tempo, a criança tem sua sexualidade e não pode ser ‘mexida’, o ato
sexual é inviável.
JC – E as contraindicações?
Otávio – Não existem. É claro que se a pessoa não está saudável ela não
vai poder praticar, mas isso também se aplica se ela for simplesmente fazer
amor. Pode ter certeza que é mais fácil morrer no ato sexual convencional do
que no tântrico (risos). Dependendo da condição física do praticante é necessário
ter-se algumas limitações. Para as práticas mais adiantadas é necessário
muita saúde.
JC - Há um tempo mínimo de estudo e “treino” para alcançar um nível “bom”
para o tantra?
Otávio - Existem práticas básicas que podem ser aprendidas em um final de
semana e algumas, adiantadas, que levam toda a vida.
JC – Há um nome específico para quem pratica o tantra? Para ser um mestre
qual é o caminho?
Otávio – Um dos nomes usados para o praticante de tantra é Sathaka, usado
em uma das escolas, que são muitas. O tantra é uma escola de iniciação e para
começar a dar aulas aqui no Brasil precisei viajar muitas vezes à Índia e
torcer para um dos mestres me iniciaram, isso há muitos anos. Porque, assim
como em outras ‘filosofias’ orientais, existe a transmissão de conhecimento,
aqui em São Paulo um dos cursos que eu ministro tem a duração de 12 meses, a
partir daí o aluno já pode dirigir alguns grupos de yoga tântrico e ensinar
algumas práticas, sempre acompanhado de um mestre. Para ser considerado um
mestre elevado é preciso “iluminar-se”, não existem certificados e alguém
dizendo: você é.
|
|
quarta-feira, 18 de julho de 2018
A arte do amor infinito
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário