sábado, 18 de setembro de 2010

Goiano do pé rachado.


Nasci em Bela Vista de Goiás e moro em Redenção - PA desde setembro de 2009. Sou um "goiano do pé rachado", como dizem os da terra. Com sua fala simplória, Carmo Bernardes explicava a incrédulos que "o Cerrado é uma floresta de cabeça para baixo", pois em muitos lugares há mais matéria vegetal subterrânea, escondida sob o solo, que exposta. Às vezes as raízes têm de mergulhar em busca da água dos lençóis profundos - mais aqui, menos ali, dependendo de a planta estar em cerradão ou mata de galeria, mata seca ou vereda, campo limpo, campo sujo ou cerrado senso estrito, as sete paisagens desse ecossistema que os cientistas enumeram.
A despeito de tanta riqueza, o desmatamento e as queimadas do Cerrado avançam à razão de 22 mil quilômetros quadrados (1,1% do ecossistema) por ano. Como já são mais de 800 mil quilômetros quadrados desmatados, a perda da biodiversidade é acentuada. Há indícios disso no desaparecimento progressivo de polinizadores, como abelhas e morcegos, dos quais depende inclusive o pequi, o fruto adorado pelos habitantes da região, seja para ser provado como doce, seja na composição de iguarias típicas, como a galinhada ou do frango ao molho. É preciso saber degustá-lo: gente de fora, sem conhecimento ou hábito, costuma morder o fruto com pressa - com isso, enche também a língua de centenas de minúsculos espinhos que povoam cada caroço de pequi, por baixo da polpa amarela. A vida em breve irá melhorar para esses forasteiros incautos: com a ajuda de índios da região do Xingu, no Mato Grosso, pesquisadores estão começando a viabilizar um tipo de pequi sem espinhos. Aí não vai ter graça comer pequí.
Viajar pelo Cerrado pode ser uma surpresa sem fim, tantas as paisagens, tantos os encantos. Pode-se, por exemplo, ir ao Jalapão, no Tocantins - um "perto meio longe", como diz o povo dali - e reencontrar o Cerrado de antigamente, perdido em outros lugares do centro-oeste brasileiro. Lá vivem 440 espécies de vertebrados, e recentemente foram descobertos mais 11. Se for tempo de seca, a impressão que se tem, como em quase todo o Cerrado, é a de que toda a vegetação está desaparecendo. Mas basta cair a primeira chuva e tudo revigora como que por milagre.
Outra alternativa é descer o rio Araguaia, das praias de areia branca que mudam de lugar de ano para ano. Que lugar lindo! Pena que tem muitos mosquitinhos pólvora que é um inferno para quem é alérgico. No pôr-de-sol esplendoroso tuiuiús aninham-se no alto das árvores.E as garças, uma profusão de aves mergulhando em busca de peixes. Num trecho resguardado do rio - em certas áreas a pressão humana é forte demais - podem ser encontrados os enormes pirarucu e jaú, ou matrinxã e pintado. A linda pirarara, que salta acima da superfície para exibir suas escamas coloridas, divide as águas com o boto que, diz a lenda, seduz donzelas que se banham distraídas. Há ainda a temível piranha, ingrediente de sopa afrodisíaca e que se diga, é uma delícia. Na ilha do Bananal, no grande Araguaia, os índios carajás podem receber quem chega com um jaraqui fresco e assado à beira-rio - uma experiência gastronômica que jamais se esquecerá. Esses moradores da maior ilha fluvial do mundo talvez levem o visitante para assistir à dança de aruanã em noite de Lua cheia. Ele também ficará deslumbrado se tiver a chance de ver a celebração do hetô-hokan, em que convidados de todas as aldeias tentam derrubar - e os anfitriões, manter ereto - um mastro enorme, que simboliza a dignidade da aldeia. É um rito de passagem dos adolescentes para a vida adulta, festa que leva um dia e uma noite inteiros.
Em resumo, como dizem Bruno e Marrone, "Goiás é bão demais da conta sô!"

Um comentário:

Nelis Neide disse...

È você tem razão, Goiás é bom D...
que saudade danada! rsrsrs