quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Declaração de Bens

O Pai moderno, muitas vezes perplexo e angustiado, passa a vida inteira como um louco em busca do futuro e esquecendo-se do agora. Nessa luta renuncia ao presente. Com prazer e orgulho, cada ano, preenche sua declaração de bens para o Imposto de Renda. Cada nova linha acrescida foi produto de muito trabalho. Lotes, casas, apartamentos, sítio, casa de praia, automóvel do ano – tudo isso custou dias, meses, semanas de lutas. Mas ele está sedimentando o futuro de sua família. Se partir de repente, já cumpriu sua missão e não vai deixá-la desamparada.
Para ir escrevendo cada vez mais linhas na sua relação de bens, ele não se contenta com um emprego só – é preciso ter dois ou três; vender parte das férias; levar serviço para casa. É um tal de viajar, almoçar fora, fazer reuniões, preencher a agenda – afinal, ele, um executivo dinâmico, não pode fraquejar.
Esse homem se esquece de que a verdadeira declaração de bens, o valor que efetivamente conta, está em outra página do formulário do Imposto de Renda – naquelas modestas linhas, quase escondidas, onde se lê: relação de dependentes. São filhos que colocou no mundo, a quem deve dedicar o melhor do seu tempo.
Os filhos, novos demais, não estão interessados nas propriedades e no aumento da renda. Os anos passam, os meninos crescem e o pai nem percebe, porque se entregou de tal forma ao futuro, que não participou de suas pequenas alegrias; não os levou ou os buscou no colégio; nunca foi a uma festa infantil; não teve tempo de assistir à coroação de sua filha como Rainha da Primavera. Um executivo não deve desviar sua atenção com essas bobagens. Sào coisas para desocupados.
Há filhos órfãos de pais vivos, porque estão “entregues” – o pai para um lado; a mãe, para outro, e a família desintegrada, sem amor, sem diálogo, sem convivência. É esta convivência que solidifica a fraternidade entre irmãos, abre caminho no coração, elimina problemas e resolve as coisas na base do entendimento. Há irmãos crescendo como verdadeiros estranhos, que só se encontram na passagem em casa. E para ver os pais é quase preciso marcar hora.
Depois de 18 anos de casado, passei 15 absorvido por muitas tarefas, envolvido em várias ocupações e totalmente entregue a um objetivo único e prioritário; construir o futuro para três filhos e minha mulher. Isso me custou longos afastamentos de casa; viagens, estágios, cursos, plantões no jornal, madrugadas no estúdio de televisão... Uma vida sempre agitada, tormentos e apaixonante, na dedicação à profissão – que foi, na verdade, mais importante que a minha família.
Agora, estou aqui com o resultado de tanto esforço; construi o futuro penosamente, e não sei o que fazer com ele, depois da perda de Luíz Otávio e Priscila.
De que vale tudo que juntei, se esses filhos não estão mais aqui, para aproveitar com a gente? Se o resultado de 30 anos de trabalho fosse consumido agora por um incêndio e, desses bens todos, não restasse nada mais do que cinzas, isso não teria a menor importância; não ia provocar o menor abalo em nossa vida porque a escala de valores mudou e o dinheiro passou a ter peso mínimo e relativo em tudo.
Se o dinheiro não foi capaz de comprar a cura de meu filho amado que se drogou e morreu; não foi capaz de evitar a fuga de minha filhinha, que saiu de casa e prostituiu-se, e dela não tenho mais notícias, para que serve? Para que ser escravo dele?
Eu trocaria – explodindo de felicidade – todas as linhas da declaração de bens por duas únicas que tive de tirar da relação de dependentes; os nomes de Luíz Otávio e de Priscila. E como doeu retirar essas linhas na declaração de 1986, ano base de 1985. Luíz Otávio morreu aos 14 anos e Priscila fugiu um mês antes de completar 15.
Preta, um dia você solicitou que fizesse uma avaliação de seu desempenho como mãe, esposa e educadora. É obviamente uma tarefa muito difícil, contudo achei oportuno descrever o relato do jornalista Hélio Fraga. Ele nos faz refletir sobre o mundo atual e sobre a educação que damos aos nossos filhos, em função da necessidade de consumo ou até mesmo de trabalho. Em hipótese alguma, a minha intenção seria desestimular os seus sonhos e desejos profissionais e sim mostrar que fazendo uma previsão que possivelmente acontecerá este ano, envolverá com certeza, atividades das 7 às 23 horas e os seres que mais necessitam de você poderão sentir a sua falta. (Pra não dizer do pai que já vive distante).
O momento é de reflexão, carinho e compromisso com você, o Neguinho e a Aninha. No mais, sei que o trabalho te faz feliz, bem como supre a minha ausência, mas tenha certeza que estarei com você em qualquer situação decidida.
Quanto ao seu desempenho, não tenho o que comentar. Você é simplesmente: ÓÓÓÓÓÓÓTIMA.

Jodenon Borges de Sousa